Updates from Setembro, 2014 Toggle Comment Threads | Atalhos de teclado

  • nunorosmaninho 09:09 on 30/09/2014 Permalink | Responder  

    Arames e bicicletas 

    Fiquei a pensar nas bicicletas, nos arames e nos cães. Sobretudo nos arames, suspensos à altura dos velocipedistas para os derrubar com violência. Não me detive nos porquês nem nos para quês, e sim no como. Como se operava? Quantas pessoas manobravam? Quais as consequências? Escrevi o que encontrei e isso tem os seus riscos. Não tenho meios para avançar com uma explanação metódica. E se os arames fossem um mito? Não é nada bom dar ideias…

     
  • nunorosmaninho 16:08 on 28/09/2014 Permalink | Responder  

    Três episódios com cães – Portomar, 28 de Setembro de 2014 

    Após tantos domingos a contestar a impaciência de certos automobilistas, havia de chegar o dia de encarar o segundo inimigo dos ciclistas: os cães. A aversão aos ciclistas é antiga e tenaz. Os cocheiros viram nas bicicletas a ameaça da concorrência. Os peões ressentiram o estatuto económico. Alguns intelectuais desprezavam-na apenas. Guerra Junqueiro inventou um epigrama admirável: «a bicicleta é o único veículo em que a besta puxa sentada». Nesses refinados tempos, havia quem acirrasse cães contra os ciclistas e atravessasse as ruas com arames. Ora, deu-se hoje o caso de, à falta de cocheiros a buzinar, os cães terem provocado três episódios, um dos quais próprio do século XIX. As coisas passaram-se nos exactos termos em que os vou narrar.
    O Lenhador, que já se perdia nas vindimas e nas vinificações, desapareceu nas penumbras de uma reunião política. Coitado! O Rúben, que ganhara a nossa admiração e respeito por pedalar aos treze anos aquilo que se espera aos vinte, regressou à prática do futebol. O Físico, não sei por que faltou. Sei que éramos cinco e que o Telmo já se encontra em boa forma. Deslizámos sem vagar e sem pressa até às natas de Portomar, que estavam dignas de apreço. E deixámo-nos ficar conversando brandamente sobre a ideia de ir na próxima quinta-feira a Fátima. E foi já no regresso que, depois de passarmos por vários cães sensatos, que se aquietam à nossa passagem, se deu o primeiro caso.
    A caminho de Sepins, por uma terra que já não sei, apareceu um cão branco, grande, que se afastou mansamente quando nos aproximámos. O Escrivão ia na dianteira, a conversar, e não o viu encetar a corrida que o pôs a um palmo das canelas. Só o sentiu junto a si ladrando com som cavo e, convenhamos, pouco ameaçador. O Escrivão não reagiu. Os pés vão presos e os pontapés exigem balanço. Também não gritou arreda!, como o polícia de Enid Blyton. O incidente deu para rir e para falar de cães e de episódios com eles, que é inútil especificar.
    Descemos o Bolho, subimos para Sepins, inclinámo-nos a sessenta à hora para Ventosa e foi então que se deu o segundo episódio, o tal oitocentista. Dois cães pequenos e, desculpem-me a franqueza, até um pouco ridículos atiraram-se às pernas do Tó. Isto, convenhamos, ainda se admite. O que o Escrivão levou a mal foi o riso dos donos da casa, que vieram ao portão. Eram crianças? Sim, senhor. Mas isso não as desculpa, porque o pai também estava por perto. O Escrivão já não esperou pelos cães: atravessou a estrada com grande alarido e atirou-se a eles. Os bichos, espantados com o despropósito da acção, estacaram na berma e ali ficaram por instantes antes de retrocederem para casa.
    Duzentos metros adiante, outro cão, mais encorpado, lançou-se ao Periglicófilo. Aí o Escrivão zangou-se mesmo. Investiu na direcção do pobre animal e, em extremo alvoroço, como diria Fernão Lopes, retirou o pé do estribo, ergueu a perna como se contraísse uma mola e o cachorro, assustado com tal barulho, fugiu por uma sebe onde, instantes antes, não se divisava qualquer buraco.
    Que tristes figuras se acolhem atrás dos grandes gestos!

     
    • Graça Matos 16:58 on 28/09/2014 Permalink | Responder

      Eu, qual dona de casa do século XIX, ou mesmo XXI, debatendo-me nessa hora com os tachos e panelas… também, agora, me ri como as tais crianças e o seu pai. Mas, eu consegui superá-las. Pois, tenho mais alguns motivos para o fazer!

    • ruigodinho1962 22:09 on 28/09/2014 Permalink | Responder

      Para o fundamento da história nem tem importância, mas o tal primeiro cão deu mostras do seu mau feitio na Pedreira de Vilarinho. É de realçar a manha do bicho, qual Raposa Salta-Pocinhas, que primeiro se mostrou desinteressado no pelotão, farejando na berma, para depois partir numa correria desenfreada virado ao Escrivão.
      Por outro lado, entre a arrogância dos automobilistas buzinadores e a insistência dos cães ladradores, ainda assim prefiro os primeiros. Por via de regra não põem tão em risco a nossa integridade física.

  • nunorosmaninho 18:17 on 27/09/2014 Permalink | Responder  

    Oração intercalar – Antes e Corticeiro de Cima, 27 de Setembro de 2014 

    O Escrivão, assim como todos os ciclistas, crê nas virtudes da perseverança e da força, e, em dias de maior optimismo, no desacerto do Instituto do Mar e da Atmosfera. Sobretudo quando este anuncia chuva e ele resolveu dar uso à bicicleta. Indo a tarde a meio, o céu toldou-se, caíram os primeiros pingos e o ar permaneceu quente. Firme na crença, avançou para a estrada. E teve sorte. Só apanhou trezentos metros lineares de bátegas espaçadas e vigorosas. O Escrivão não sabe, mas talvez esteja com pressa de chegar à marca de três mil quilómetros.

     
  • nunorosmaninho 11:04 on 24/09/2014 Permalink | Responder  

    Então, e o futebol? 

    Em 1928, o futebol não declinava. Crescia. Absorvia as massas. Dominava-as. Transformava os sportsmen do século XIX em arruaceiros turbulentos e insultuosos. (Felizmente, as coisas mudaram muito desde então.) Os adeptos do futebol, escrevia um correspondente da Figueira da Foz, formavam «um público faccioso e ignorante que berra por tudo, discute por nada, sem nada perceber de coisa nenhuma». Estes e outros excessos reclamavam a intervenção dos pedagogos e dos políticos, e até dos dois em simultâneo. O Ministério da Instrução, querendo a morigeração no campo irascível do futebol, impôs a sua proibição entre 1 de Julho e 15 de Setembro de 1928. O ideal cavalheiresco dos jornalistas de A Voz Desportiva fez o resto: «Quem não quiser deixar de praticar desporto nesta época, tem o atletismo, a natação e outros desportos que muito mais vantagens traz[em] para uma boa preparação física.»

     
  • nunorosmaninho 08:45 on 23/09/2014 Permalink | Responder  

    Parábola do Gravier 

    Tenho a consciência de estar revivendo lendas esquecidas e quase mortas, demorando nos detalhes apesar do meu tributo à brevidade. Mas isso é como falar de coisas úteis. Nunca se sabe bem quais são. Estamos neste mundo como à mesa do Gravier, um sítio de artistas jovens e exaltados que discutem com raiva a beleza de Olympia, de Manet. «Poderá explicar-nos porque não é uma boa pintura?» Melhor ainda: «Pode sinceramente dizer que consegue olhar para o trabalho de pintura daquela pele e afirmar que não é bom?» Resposta: «Não digo isso. Acho que o seio direito está muito bem pintado.» Exaltação: «Para o diabo com o seio direito – gritou Lawson. – Todo o quadro é um milagre da pintura.» Moral da história: «Começou a descrever em detalhe a beleza de cada pormenor do quadro, mas àquela mesa do Gravier quem se alongasse nos discursos falava para sua própria edificação. Mais ninguém o ouvia.» Isto vem no capítulo 41 da Servidão Humana, de Somerset Maugham. Nas histórias de bicicletas é o mesmo. Devia ter dado a esta nota um incipit bíblico: «Naquele tempo…»

     
  • nunorosmaninho 16:14 on 22/09/2014 Permalink | Responder  

    Decadência ou interregno? 

    A decadência, «oxalá que transitória», do ciclismo de Coimbra proveio principalmente do facto de o Sport ter abandonado a modalidade. Não sei dizer porquê. O próprio dr. Amadeu Rodrigues também não é claro. Fiquei com a impressão de que o clube se desentendeu com a União Velocipédica Portuguesa. Em resultado disso, um corredor transferiu-se para um emblema da Figueira da Foz. E «outro, aquele que tantos triunfos tem alcançado para o clube, e, consequentemente, para Coimbra, esteve prestes a tomar parte numa corrida no Porto, por uma outra colectividade que não a sua». Que desgraçados subterfúgios linguísticos! É o Carreto que está em causa, não é? Esteve para sair do Sport. Certo?

     
  • nunorosmaninho 09:00 on 22/09/2014 Permalink | Responder  

    Pires e Carreto no Olimpo 

    O apogeu do ciclismo em Coimbra tinha os rostos de Aníbal Carreto e de Manuel Alves Pires. A decadência resultava, se percebi bem, da saída deste último para o estrangeiro e da desorganização clubística. «O ciclismo, de há uns anos atrás até ao findar a época passada, estava sendo uma modalidade desportiva de que Coimbra, com todo o desvanecimento se podia orgulhar.» Assim começou o dr. Amadeu Rodrigues. Ou seria J. Branquinho de Carvalho? «Em todas as provas, grandes ou pequenas, oficiais ou particulares, em que os representantes dos clubes locais tomavam parte, – e numerosas foram elas, incluindo as mais importantes que se disputaram – raramente se dava o facto de a vitória não vir para Coimbra.» O bairrismo é um belo sentimento e não sou eu que vou disputar as suas verdades. «A supremacia do ciclismo nacional encontrava-se em Coimbra, reconhecia-se ser a nossa terra a detentora dos melhores corredores.» Sobretudo, quando esse bairrismo toca o meu e cobre o Carreto e o Pires com um manto de glória. «E por largo tempo, ou Aníbal Carreto, do Sport, ou Pires, do União, não falando já no aparecimento de outros novos que depois surgiram, nem nos que na categoria de “fracos” tantos triunfos alcançaram por essas localidades fora, ou um ou outro ou mesmo os dois, dizíamos, traziam para os seus clubes as primeiras classificações e os troféus brilhantemente ganhos.» Carreto e Pires: da Bairrada para Coimbra e daqui para o país. «Coimbra marcava, até ao ano passado, no ciclismo nacional. Os “ases” de Lisboa e Porto encontravam nos nossos os mais temíveis rivais, perante os quais quase sempre se tinham de inclinar.» Os problemas vieram depois. E de súbito.

     
  • nunorosmaninho 18:35 on 21/09/2014 Permalink | Responder  

    Amadores a sério – Cantanhede, 21 de Setembro de 2014 

    Amadores a sério são os que sabem retirar do ciclismo não apenas o prazer mas o esforço e, sobretudo, o prazer do esforço. O nosso grupo tem dias para tudo. Hoje, não foi um dia heróico. Sair da Mata, aproveitar a quietude do ar, rolar até ao Corticeiro de Baixo, virar à esquerda, demorar à volta das natas de Cantanhede e retornar pelas Sete Fontes e Sepins não é uma tarefa dura se for realizada placidamente, como foi.
    Há outros amadores a sério, mais valentes. Passaram por nós antes de Torres. Uns doze. Entre eles, cinco ou seis pedalaram cento e dez quilómetros, foram à Gafanha reconhecer o itinerário da corrida da próxima semana, fizeram fila, atacaram a estrada, revezaram-se na frente e cumpriram largas distâncias a 45-50 quilómetros por hora. Isto soube o Escrivão porque se reencontrou com um deles, o Beto, na Curia, às 12h15, a comprar o jornal. Há um ano correu os noventa quilómetros da Gafanha e ficou nos primeiros lugares com 2h01m e alguns segundos. Façam as contas e corem de vergonha…

     
  • nunorosmaninho 15:11 on 20/09/2014 Permalink | Responder  

    O que é a decadência? 

    É fácil reagir à efemeridade com a invocação da ordem. O fervor velocipédico da Bairrada e de Coimbra nos anos de 1925 a 1927 era um postulado radioso, uma norma criada pelo passado recente e que o futuro havia de confirmar. Pires-Carreto e Sport-União eram as oposições e a força desta ordem, deste apogeu que o ano de 1928 desfez perante o olhar pesaroso dos conimbricenses. A Voz Desportiva recebeu o declínio com uma placidez triste, incompatível com as emoções da meta. Ou seria eu que, não encontrando Aníbal Carreto e Manuel Pires, deixei esmorecer o entusiasmo de outros tempos. Fui conversar com o director daquele periódico, o sr. dr. Amadeu Rodrigues, no primeiro andar de um prédio nas imediações do Mosteiro de Santa Cruz.
    – Se esperar até ao dia 7 de Julho, poderá ler o que penso sobre esse assunto.
    O seu semblante fechado levou-me a fazer uma pergunta directa, escolhendo as bem-amadas palavras dessa época. Não sei como se diria hoje. Em 1928, os corações portugueses ainda vibravam com o espectro da decadência.
    – Poder-se-á falar de «decadência do ciclismo coimbrão na presente época»?
    – Sem dúvida! É isso que temos de ver e remediar quanto antes.

     
  • nunorosmaninho 11:24 on 20/09/2014 Permalink | Responder  

    Taça Sepins 

    Sepins, segunda-feira, 25 de Junho de 1928, 15 horas. Se tudo corresse bem, estariam a partir os ciclistas para 125 quilómetros de percurso, que os levariam por Murtede, Cantanhede, Arazede, Gatões, Quinhendros, Maiorca, Figueira da Foz, Maiorca, Montemor-o-Velho, Tentúgal, Geria, Coimbra (Estação Velha), Sargento Mor, Mealhada, Antes e de novo Sepins. Os jornais agitaram o interesse do público e dos atletas, publicaram o regulamento, anunciaram os prémios, mas não houve concorrentes para as medalhas de ouro e de prata. A prova passou para 15 de Julho, à mesma hora. Dava-se como garantida a presença de José Ferreira e F. Adelino, do União de Coimbra, e do próprio Joaquim Silveirinha, do Sport Lisboa e Pombal, «o vencedor dos cem quilómetros da Figueira e uma das revelações da época». Afinal, só se inscreveu José Ferreira. E nada aconteceu.

     
c
Compose new post
j
Next post/Next comment
k
Previous post/Previous comment
r
Responder
e
Editar
o
Show/Hide comments
t
Ir para o topo
l
Go to login
h
Show/Hide help
shift + esc
Cancelar