O mercador de livros – Praia de Mira, 19 de Março de 2023 

            É impossível chegar à Praia de Mira, nestas manhãs tranquilas de domingo, sem admirar os grupos de ciclistas que param diante do areal e conversam ruidosamente sobre as suas infinitas aventuras. O mercador de livros religiosos, sentado no murete, a perna traçada, tudo observa com placidez.

– Estás a ver? – apontou o Vendedor. – Também podias trazer os teus livros para os vender aqui.

Mal tínhamos encostado a bicicleta e já o Vendedor lançava um grito de reconhecimento a um ciclista que chegava numa bicicleta de todo o terreno, pneus largos, quadro pesado.  Recebeu um grito  igual. Era um homem vivaz, falador, que não andava há muitos meses e viera sozinho de Ventosa do Bairro. Olhava para todos os lados ao mesmo tempo e rodou sobre si para cumprimentar uma mulher jovem que passava e ele, manifestamente, não conhecia. Recusou-se a acompanhar-nos, talvez temendo a velocidade, não acreditando que andávamos apenas a passear.

Seguimos pela Barrinha. A floresta vai morrendo de velhice. Passando o Poço da Cruz, ouviram-se as cigarras. A chuva do penúltimo fim-de-semana impediu a volta por Cedrim. A seguir, enquanto me mantinha em casa a mudar o pneu e a câmara-de-ar da roda dianteira, os amigos evitaram o Buçaco e regressaram a Cantanhede.

Aproveitámos com preguiça a ausência de vento. Não notei esforço algum de norte para sul, nem de leste para oeste, nem de oeste para leste, nem de sul para norte. Cheguei ao semáforo  de Vagos tão tranquilo como a velodama pela qual passei trezentos metros antes. Fiquei sozinho diante da luz vermelha. Os automóveis cruzavam a estrada para Soza. A velodama assomou à minha esquerda e não parou. Lenta e serena, prosseguiu até quase bater na sucessão de automóveis. Depois, com naturalidade, estando já em contramão, mudou a direcção, e desapareceu da minha vista.