Belisário Pimenta não estava em Paz
Tentei sugerir ao senhor Vasconcelos que há na preguiça agitada uma energia admirável e digna, que frutifica nas relações pessoais e em quotidianos activos. O que não dá é resultados tangíveis. Mas cada um age de acordo com a natureza dos seus fins.
O senhor Vasconcelos disse basta! com um gesto e mudou de assunto:
– Ouvi que foi a Paz visitar Belisário Pimenta. Ele estava?
O Anastácio começou a responder por mim:
– Fomos daqui a Mafra e não o encontrámos.
– Dizem-me que tem uma bela quinta.
Apressei-me a concordar em parte. Uma casa tranquila numa eminência de onde se observa o convento joanino, um hectare de terreno murado, uma grande figueira e outras árvores de fruta, uma horta, mas sem a dimensão e o aperfeiçoamento da Quinta do Cabo. Vê-se que é a residência de um homem de letras desligado das actividades económicas, enquanto a sua, disse eu ao senhor Vasconcelos, é um primor de organização agrícola. O senhor Vasconcelos, que me ouvia atentamente, contrapôs um elogio de Belisário Pimenta:
– O coronel é um homem sério, um trabalhador honesto, uma consciência limpa.
– Ainda demos a volta à propriedade, a espreitar pelos portões, puxámos mais do que uma vez o fio da sineta mas ninguém atendeu. Uma vizinha supô-lo em Coimbra. Sabia que a mulher de Belisário Pimenta é afilhada da rainha D. Amélia? E logo havia de casar com um republicano anticlerical… Não sei se era por ser Agosto: a quinta pareceu-me silenciosa e seca.
O senhor Vasconcelos retorquiu nestes termos:
– Saiba V.ª Ex.cia que, como dizia o mal conhecido Alberto Vieira Braga num artigo sobre rega, «a água é o sangue da terra e a perene surdina do trabalho rústico». Onde ela falta ou escasseia, o mundo morre.
(Fotografia de Elisa Tavares.)
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