Fins de Junho
Em 24 de Junho de 1945, na Mata, a minha mãe fez nove anos, e ao lado de casa, ao lado da mercearia e do café do Maneco, a fonte foi engalanada para celebrar o dia de São João, numa festa simples que entusiasmava a criança que ela era e hoje lhe dá uma memória terna.
Nesse mesmo dia, em Portalegre, José dos Reis Pereira escrevia a sua mãe, feliz por ela ter passado bem o dia de aniversário, com muitos doces e sem as atribulações da doença. O tempo, em Portalegre, «estava muito variável». Ele explica: «Ora calor, ora frio, ora trovoadas, ora ventanias, tudo isto com excesso. Chuva é que muito pouca, de modo que só a uma certa hora do dia corre água das torneiras.» As aulas haviam terminado, e José, Régio para os seus leitores, aproveitou os dias de férias antes dos exames para trabalhar nos romances e nas peças de teatro, e talvez para procurar antiguidades nas redondezas. Ainda pensou ir a Évora, onde o São João era festejado com «uma grande feira», mas resignou-se a ficar em casa. Em breve, nas férias de Verão, iria reencontrar a mãe, o pai e toda a família em Vila do Conde.
Antes que o mês acabasse, Salazar encaminhou-se, creio que de automóvel, para o Vimeiro, onde planeava comprar mais uma terra de lavoura. Franco Nogueira, o seu biógrafo, diz que ele passou o tempo em «passeios a pé», «longas conversas com o Ilídio», «visitas a Papízios ou ao Rojão», «idas ao Caramulo», onde participou em «merendas ao ar livre com os Lacerdas e em que leva o seu farnel próprio». As preocupações políticas não lhe travavam o ímpeto de lavrador. Adquiriu, por 1500 escudos, «uma terra de semeadura, de sequeiro, com olival, sito à Eira do Mocho, a Aldrógãos». As irmãs, porém, já não tratavam das propriedades dele com o mesmo zelo. Os lameiros e pinhais estavam em desalinho e não achou caseiro que lhe agradasse. Um cunhado tornara-se crítico do salazarismo e uma irmã escrevia cartas a mover influências por conta da sua relação familiar com o presidente do Conselho. Franco Nogueira enumera tantas preocupações e arrelias que quase fico com pena do António, coitado, tão bom e tão incompreendido.
O mês de Junho não terminou sem que, nas traseiras da página quatro, embora num destaque de anúncio, o jornal A Voz Desportiva publicitasse, para o domingo seguinte, o Circuito da Curia: «60 voltas ao Parque da Curia pelos melhores ases nacionais», «organização do Sangalhos Desporto Clube e o patrocínio do nosso jornal». Os conimbricenses interessados pela prova de ciclismo, protegidos pela sombra do arvoredo, refrescados pela proximidade do lago, poderiam tomar o comboio das 10 ou o das 14 horas. O regresso também estava garantido.
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