Mais um milagre de Fátima
Fátima, 22 de Julho de 2023
(Quem conseguir ler até ao fim merece um rebuçado…)
Falar em Fátima desencadeia, por norma, três reacções bem distintas: a Fé católica, o cientismo negacionista e a visão parcelar.
Do primeiro grupo encontrámos vários milhares de exemplares, tanto no recinto do santuário de Fátima, como a caminho dele. Ao segundo, pertence um certo colega, cujo motivo para não nos acompanhar no percurso cíclico a Fátima era exactamente não acreditar.
E depois há um terceiro grupo, mais ou menos generalizado, que prefere fixar-se em certos atributos de uma qualquer Fátima… Este grupo permite a inclusão simultânea de elementos dos outros dois grupos.
Vem toda esta retórica a propósito de três cíclicos, reunidos num estacionamento da Mealhada, de onde encetaram uma viagem épica de mais de 200km.
Não que tenha sido a primeira vez, porque o nosso Vendedor já transformou esta viagem numa tradição, que cumpre anualmente, sozinho ou acompanhado.
O Escrivão de recurso já o fez, mas de forma intercalada, sendo as faltas atribuíveis a motivos de saúde. No presente ano, ainda vítima do mau estar causado pelo malfadado covid, as forças andam muito desmaiadas, mas alinhou desde a primeira hora na proposta do Vendedor.
Há dois anos, minha última participação, éramos quatro; no sábado fomos três. Nos tempos cíclicos que correm, uma multidão!
O primeiro objectivo, para a tradicional nata, era o mesmo local de há dois anos, na Serrazina (pouco depois de Condeixa). Estava encerrado e parámos na Casa da Júlia, pouco depois. Não muito longe de dois locais de grande interesse turístico: a Senhora do Círculo e as Buracas do Casmilo. A visitar, seguramente!
Próximo objectivo: Pombal. Antes, foi feita a verificação de que o Tinto se mantém no mesmo sítio. Contudo, por motivos desconhecidos, desapareceu o garrafão que costumava estar pendurado na placa toponímica! Alguma campanha antialcoólica? Manobra de adoradores de bebidas mais brancas? Simples esquecimento ou desleixo? Não sabemos…
Da viagem para sul não há muito a contar. Passado Pombal tivemos a sorte de uma folga no trânsito, que nos permitiu entrar na estrada alternativa dos peregrinos à vontade. Único apontamento de reportagem: um furo na roda de trás da bicicleta do Periglicófilo. Pequeno, mas eficaz!!!
Foi nessa altura que ele se lembrou de uma praga rogada na véspera, por uma qualquer bruxa de trazer por casa, de que iria sofrer três furos. Felizmente que já não há bruxas como antigamente e a praga apenas cumpriu cerca de 33,3% de eficácia.
Mais adiante alguns quilómetros, uma localidade que tudo tinha a ver com os três cíclicos: Leão!!
Com mais ou menos sobe e desce, lá chegámos ao ponto do sobe. Dos Olivais até Fátima, 9km de subida quase constante! Suave de início, mas agravando progressivamente os ângulos de inclinação. Mas… lá chegámos!
Havia mais movimentação do que em anos anteriores, incluindo algumas equipas identificadas com as bandeiras de países dos PALOP. Já seriam preparativos para as Jornadas Mundiais? Talvez sim… Não fazemos ideia. O facto é que a foto foi dupla, com dupla perspectiva, incluindo a estátua de João Paulo II.
Tal como há dois anos, voltámos a parar no Café Pastelaria Alegria. O serviço mudou, para melhor… Curiosamente, o dono do café tem o mesmo nome próprio do presidente Zelensky, da Ucrânia!… Se é que me faço entender!… As bifanas também eram excelentes…
Quem não pedala por sistema é facilmente levado a concluir que um regresso é o inverso da ida e que as dificuldades se tornam facilidades e vice-versa. Mas nem sempre assim é! Basta dar o exemplo da tal subida de 9km, que se transformou em descida de 9km, mas onde o vento contrário obrigou a pedalar boa parte do percurso, sob risco de as bicicletas pararem. Ou quase…
Uma das situações mais marcantes de toda a viagem ocorreu, salvo erro, na Caranguejeira. A Constante pujança do Vendedor levou a que se destacasse bastantes metros à frente dos dois colegas, que penavam na tentativa de o acompanharem. Infrutiferamente… Com ele fora do nosso alcance visual, eis que surge em sentido contrário, a uma pedalada bem apreciável, uma jovem muito bem dotada em todos os parâmetros de avaliação. Um sorriso simpático alegrou a nossa rastejante pedalada…
E eis que surge, poucos metros atrás, o nosso homem das forças, desarvorado, como se tivesse começado a pedalar naquele momento! Perguntámos se ia voltar a Fátima. Vinha sem voz. Apenas balbuciou umas palavras… Percebemos que a moça o terá saudado e o Vendedor apenas terá conseguido responder: “Boas!!!…”
Alguns quilómetros mais tivemos que parar no Autocarro Bar. Faltava água e forças também. Depois de uns 120 km tornava-se penoso, quase insuportável, as sucessivas rampas com inclinações entre os 8 e os 13%.
Mas a marcha continuou, inexorável. Cada km percorrido era menos um para o fim. Por isso, foi com bastante alívio que parámos também, como há dois anos, na Flor de Trigo, um bom bocado para cá de Pombal. O atendimento também foi excelente e eram mesmo boas! As bifanas…
No sentido inversamente proporcional ao aumento da distância percorrida estavam as nossas forças. As dúvidas sobre a capacidade de vencer tanto caminho que tínhamos pela frente eram imensas. A posição em cima da bicicleta era progressivamente mais desconfortável. Os olhos ardem com a transpiração, mesmo com os óculos retirados.
De Pombal até à descida para Coimbra são muitas as subidas, poucos e curtos os pontos de recuperação, aproveitados inevitavelmente para não fazer rigorosamente nada senão deixar a bicicleta deslizar, mesmo que devagar.
Parámos novamente na Casa da Júlia, para mais umas bebidas refrescantes, incluindo água enriquecida com múltiplas bolas de gelo. O calor não era nenhum, comparado com os relatos do ano passado, mas chegava bem para todos!
Quando se chega àquele ponto em que até Coimbra é sempre a descer só uma ideia nos assalta: já só falta uma subida áspera. Mas… e que subida!… Esquecendo isso, convidámos o Hermínio para comparecer no Retiro dos Leitões, pois seria a nossa última paragem. E como ele mora lá pertinho…
A tal rampa, que nos transporta (salvo seja!…) até Trouxemil é brutinha só por si; com mais de 180 km pedalados e dores por tudo quanto é sítio tornou-se um inferno. Mas estoicamente percorrido, metro a metro, nunca virando a cara à luta! É no fim das maiores adversidades que se obtém o prazer das maiores vitórias.
A sandes de leitão no Retiro soube a pato, mas mesmo que não fosse assim seria excelente.
Até à Mealhada foi só ligar o piloto automático…
Mas o dia ainda terminaria com o Escrivão improvisado e a sua filha Inês a assistir a um belíssimo espectáculo de Noiserv, no relvado do Parque do Luso!
Para o ano há mais, está combinado.
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