Updates from Julho, 2015 Toggle Comment Threads | Atalhos de teclado

  • nunorosmaninho 19:02 on 12/07/2015 Permalink | Responder  

    Longas horas têm duzentos e vinte quilómetros – Fátima, 11 de Julho de 2015 

    É minha honra e meu dever declarar que todos os viajantes cíclicos que se propuseram chegar a Fátima, chegaram. E todos os que chegaram, regressaram pelo seu pé. Não digo que foi fácil. Quem viu a jovialidade da ida, em particular nos primeiros noventa e cinco quilómetros, sabia bem que o regresso teria mais silêncio, mais sarcasmos e mais paragens. Em nenhuma circunstância, porém, podia imaginar a cena verificada ao quilómetro 194,6, no tempo 9h16m02s: o Paulinho deitado na relva fresca de Coimbra e o Escrivão imprimindo-lhe uma vigorosa massagem nas pernas, enquanto o Primeiro Informático procedia à substituição de um pneu.
    O dia começou às seis da manhã. Para o Segundo Informático, isso correspondeu a duas ou três horas de sono. Às seis e meia, estava o grupo reunido no teatro da Mealhada. Com mais cinco horas de jornada, encontravam-se todos na sombra das árvores que orlam o recinto sagrado. O Miguel Eva fez uma pequena oração na basílica. Os colegas deixaram-se ficar a ver quem passava. O Paulinho deitou-se.
    Ainda o dia não tinha clareado e já o Escrivão encetava a inovadora tarefa de captar imagens em movimento. Gravou cinco segundos do primeiro quilómetro e, daí para a frente, fez uma dúzia de captações breves, sobretudo quando abandonaram o IC2 e tomaram a via recatada dos peregrinos. Anotei as descidas poderosas do Primeiro Informático e a persistente e fácil presença do Miguel Eva e do Rúben na dianteira. Também recordo que alguém questionou que o santuário ficasse numa cova (da Iria) quando havia tanto que subir para lá chegar. O Periglicófilo resolveu o enigma apontando para Santa Catarina da Serra.
    O almoço foi animado e saboroso. O problema residiu em sair dele. A modorra, a preguiça, mesmo a sonolência apoderaram-se daquelas figuras cansadas e daqueles espíritos letárgicos. Saíram da mesa e montaram as bicicletas por um imperativo de vontade que muito os enobrece. O Miguel Eva e o Rúben, sempre na frente. Os outros, revezando-se a acompanhá-los. Quilómetro após quilómetro, as ladeiras foram-se tornando cruéis, impuseram esforço, firmeza de ânimo e, por fim, exigiram padecimento. Foi nesta última fase, em Cernache, debaixo de um viaduto, sobressaltado pelo ronco amplificado dos automóveis, que o Escrivão aplicou pela primeira vez a sua esquecida arte da massagem.
    Já sabem quase tudo sobre a viagem. Da Mealhada para casa, o Periglicófilo ainda acelerou como se a corrida estivesse a começar. Suspeito que, sem terem de esperar por ninguém, o Miguel e o Rúben fizeram o mesmo. As contas do Escrivão deram uma viagem de 221 quilómetros e, porque o seu odómetro não está preparado para uma jornada tão demorada, a presunção de onze horas a pedalar. O Periglicófilo dirá o tempo exacto e os Informáticos se o desnível acumulado equivale ao da Serra da Estrela. Quem pode garantir que amanhã haverá volta de descompressão?
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    • ruigodinho1962 20:00 on 12/07/2015 Permalink | Responder

      Realmente não faltou muito para as 11 horas de percurso. Apenas 28 minutos.
      Aqui se comprova que nem sempre descemos mais depressa do que subimos: é que o acumulado de subida até Fátima foi de pouco mais de 1300 metros (se bem me lembro da informação do Primeiro Informático), enquanto o regresso teve cerca de 1000 metros a subir. Ou seja, para lá subimos mais 300 metros em menos meia hora do que para cá. Ou seja, ainda, numa viagem de bicicleta nem tudo se resuma a subidas e descidas.

    • topedrosa 07:28 on 13/07/2015 Permalink | Responder

      O desnível ascendente ida e volta foi de um pouco mais de 2300 m. A ida à Serra da Estrela não chegou aos 2000 m, marca que foi atingida na área de Cernache. Ainda faltava um desnível de Moinho do Pisco.

  • nunorosmaninho 09:00 on 11/06/2015 Permalink | Responder  

    Encontro intercontinental – Figueira da Foz, 10 de Junho de 2015 

    A pressa não me permite pormenores. Assim, digo com presteza que eram sete e estava frio. Subiram o que havia a subir, desceram a mais de sessenta o que havia a descer, enfrentaram o vento na ida, desfrutaram dele na volta. Almoçaram sardinha, cavala e carapau no Núcleo Sportinguista. Atiraram-se sem sombra de pecado aos gelados da Emanha e às natas da Princesinha da Tocha. Aqui mesmo, no regresso, interpretaram o encontro de dois hemisférios que dá título a este relato. Para não pensarem que exagero, concedo uma dúzia de linhas ao assunto.
    Estavam os combativos ciclistas sentados na esplanada, beneficiando do descanso, da temperatura enfim tépida e da conversa sobre futebol, pensando mais em ficar do que partir, quando na mesa ao lado se sentou um casal de ciclistas munidos de um mapa. Eram em extremo sorridentes e quiseram saber se os cíclicos falavam inglês. O Periglicófilo apresentou-se como o embaixador desta cimeira que pôs de um lado sete bairradinos e do outro dois australianos. Revelou-se muito probo e exacto. Lamentou que eles, vindos de Mira, tivessem tomado a desgraçada estrada entre pinhais, que não serve senão para partir o corpo e possibilitar o ataque aos incêndios. Fez-lhes judiciosas recomendações acerca dos caminhos. Explicou-lhes a necessidade de cumprirem a tradição do pré-pagamento. E porque dos cordiais estrangeiros recebeu uma nota de curiosidade acerca da viagem que ele e os seus amigos estavam empreendendo neste dia em que por fortuna se encontraram, informou-os de que já haviam percorrido oitenta quilómetros e que, se a Deus aprouvesse, haveriam de chegar a casa com cento e vinte. E assim sucedeu, não sem que ocorressem dois episódios que relatarei com a mesma verdade e prontidão.
    No centro de Cantanhede, pelas cinco e meia, uma mulher caminhava no passeio. Alguém consegue imaginar as pessoas que vê na rua? Há um tipo intrépido e desabrido que gosta de interpelar ciclistas. Mas quem sabe onde se acolhe? Há tanta gente que olha e tão pouca que arrisca falar. Em regra, estas comunicativas criaturas ordenam aos ciclistas que tenham força ou desanimam-nos com a informação, obviamente errada, de que «os outros já passaram». A mulher em causa foi muito mais acutilante e original. Levantou o braço esquerdo, apontou para o relógio de pulso e, de improviso, gritou-lhes: «Eu quero ver a que horas chegam a casa para jantar!» Assim, brincou com um dos aspectos mais angustiantes do submundo do cicloturismo.
    Para terminar, devo exarar que, em Ventosa do Bairro, o Escrivão atacou o cão que corria para lhe ladrar. O Primeiro Informático vinha logo atrás e só se assustou com o Escrivão. Há ali um conflito em crescendo. Os animais não se calam e o Escrivão não se conforma.

     
    • ruigodinho1962 10:24 on 11/06/2015 Permalink | Responder

      Eu lembraria que os estóicos australianos (não esqueçamos que já bem entrados na idade!…) foram informados que os cíclicos bairradinos andam muito de bicicleta, mas comem ainda mais!

      • nunorosmaninho 13:03 on 11/06/2015 Permalink | Responder

        Confirmo tudo, incluindo a parte do sustento que foi sublinhada com sorrisos e gestos dirigidos aos abdómenes.

  • nunorosmaninho 13:27 on 18/05/2015 Permalink | Responder  

    A viagem desordenada – Cantanhede, 17 de Maio de 2015 

    Quando os ciclistas se aproximaram da adega, ainda lhes parecia impossível que o Lenhador os acompanhasse numa manhã que se anunciava quente e talvez fatigante. Mas ele lá estava com o portão aberto, sentado no sofá (sim, a adega dispõe de sofá), tão bem disposto quanto é costume.
    Dos lados de Sepins, afluíram o Paulinho, o Rúben e o Miguel Eva. Da Mata, convergiu o Periglicófilo com a bomba de ar a tiracolo. O Escrivão acercou-se ainda aturdido pelas palavras de Séneca. De Avelãs, o Telmo anunciara a falta. De Anadia, não chegava ninguém. Porquê? Tiniu um telefonema com dois furos dentro. O Físico conseguira essa proeza quase sem sair de casa e o Primeiro Informático fora auxiliá-lo.
    Aí vão seis ciclistas subindo o Vale da Bica. O Lenhador diz que assim não pode ser. Ei-los em Anadia, parados, a escolher o itinerário. O Buçaco não, que o Lenhador não quer e andam lá cidadãos azougados correndo vinte e cinco quilómetros de trial pelas matas e caminhos vicinais. Partem para Cantanhede? «Calha bem» – disse o Lenhador. – «Passamos por Tamengos. Fico lá.» Começa a desordem.
    Que estradas seguir? Por onde se sobe menos? Dará para estar em casa às onze e meia? Aí vão eles trepando outra vez, passando em frente do Museu do Vinho e sofrendo hesitações perigosas nas rotundas. Uns seguem em frente, outros não, ouvem-se protestos, resmungos e por fim sossego em Mogofores. O Lenhador diz que em Vilarinho volta para a sua santa residência. O pelotão alonga-se, formam-se grupos, abrem-se largas distâncias. O Lenhador sente-se muito bem mas na Pocariça, apesar dos rogos, inflecte mesmo para casa ousando desinteressar-se das natas da Nova Cidade. O malandro!
    Os sete que ficaram pedalaram pelo que se foi. Primeiro, o Rúben, sempre combativo. Depois, o Miguel que aceita com paciência a lentidão. Os outros deram a luta que lhes apeteceu conforme as circunstâncias. Nas subidas curtas, aceleram bruscamente para arreliar o Rúben. E o Rúben, sem se arreliar, responde a tudo. Assim foram, imperturbados, até ao calor do meio-dia e aos cinquenta quilómetros da ordem. E já o Escrivão e o Segundo Informático anunciam para amanhã a subida do Moinho do Pisco.

     
  • nunorosmaninho 09:32 on 11/05/2015 Permalink | Responder  

    Afirma o Escrivão – Cantanhede, 10 de Maio de 2015 

    Afirma o Escrivão que chegou ontem aos mil quilómetros quando pedalava furiosamente pelos pinhais de Covão do Lobo e a sombra da bicicleta se projectava vários metros adiante do guiador. Instado a explicar que fúria era essa, especificou que nenhum mau sentimento o instigava e que se limitou a seguir a vontade e a força até onde estas puderam chegar. Ao supor que o regime de ventos lhe favoreceria o regresso, laborou num erro de cálculo que foi aproveitado com ganância pela teimosia. A conjunção desta circunstância com o facto de ter realizado pela manhã um treino misto constituído por agricultura e ginásio deu-lhe alento físico para efectivar quarenta e cinco quilómetros a uma velocidade média de vinte e nove vírgula quatro por hora, feito vulgar para muitos ciclistas, raríssimo para ele, motivo pelo qual solicita que fique consignado no presente registo.
    Afirma o Escrivão que, já com a noite fechada, estendendo as pernas injuriadas pelo esforço, respondeu à chamada do Periglicófilo prometendo comparecer em sua casa às nove da manhã, embora os ajustes excepcionais para o almoço o obrigassem a uma vinda antecipada. Nessa conformidade, apresentou-se no alto da Mata, onde se reuniu aos colegas de jornada, que disse serem o referido Periglicófilo, o Primeiro Informático, o Físico, o Paulinho e o Miguel Eva, e aproveitou para atestar os pneus que há larguíssimas semanas se encontravam votados ao mais completo desleixo. Postos os capacetes e cerrados os sapatos nos pedais, debandaram em direcção a Vilarinho, Campanas e Cantanhede, fruindo com moderado regozijo o pouco sol e o pouco calor que o elemento divino lhes proporcionou. O Periglicófilo enunciou factos históricos sobre a Fonte Errada e parou para cobrar uma teima sobre previsões meteorológicas feitas com um homem desta povoação. Na descida para Cantanhede, o Primeiro Informático alcançou grande velocidade e chegou isolado à rotunda que cruza com a variante de Mira. Daí para a frente, a cabeça da corrida coube ao Miguel e ao Paulinho.
    Afirma o Escrivão que, ao sair de casa, tencionava manter grande atenção ao relógio, refazendo a cada instante os cálculos relativos ao momento em que deveria abandonar o grupo e retornar ao lugar de partida, onde deveria estar às onze e meia. Isso não sucedeu porque a curta viagem a Cantanhede lhe permitiu cumprir essas obrigações. Sucedeu tudo com tal felicidade que logrou chegar pontualmente, como era seu desígnio, ao re1staurante sito na Mealhada. Aqui, refez mentalmente os factos mais salientes e, enquanto não vinha o bacalhau, ditou estas palavras com a indicação de serem passadas para o blogue das viagens cíclicas, o que foi escrupulosamente cumprido, como atesta o presente relato.
    Afirma o Escrivão, perguntado sobre as circunstâncias do regresso, que ele se fez de modo directo, sem a volta pela Pena, e que o Miguel e o Paulinho, morando embora em Sepins, prosseguiram até Anadia. Pareceu-lhe conveniente lembrar que não pode descrever os factos sucedidos aos companheiros depois que os deixou na Curia para ir comprar o jornal. Mais aduz que essa informação pode ser acrescentada nos termos previstos na lei, nomeadamente sob a forma de averbamentos exactos, prudentes e compassivos. Depois do que empreendeu uma serena viagem pelo bacalhau e por uma apetitosa trouxa-de-ovos com que comemorou o octogésimo quinto aniversário do pai.

     
    • topedrosa 13:11 on 12/05/2015 Permalink | Responder

      O companheirismo dos ciclistas é lendário. Ora cumprimentam quando se cruzam, ora emprestam uma câmara de ar quando algum deles está em apuros. Esse espírito também se manifesta por acompanhar colegas até casa. E assim fizeram o Paulinho, o Miguel e o Primeiro Informático com o Físico. Como ainda era cedo o Primeiro Informático acompanhou o Paulinho e o Miguel até Sepins via Grada. Aí, nesse sítio denominado Pirenéus pelos seus habitantes, ainda tentou arranjar companhia até Anadia, mas as horas já não deixaram que isso fosse possível. Ou terá sido a perspectiva de subir novamente para Sepins ?

    • nunorosmaninho 13:47 on 13/05/2015 Permalink | Responder

      Os topónimos são desafios fáceis e difíceis. A magnífica história da «fonte errada» tem o problema de ocorrer em 1926. Se fosse em 1026… Na toponímia, aplico o velho princípio escolar: quem não sabe, inventa. Assim faz o sábio povo, criando explicações em que não acredita para preencher vazios de entendimento. Sim, senhor, sou um céptico.

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