O padre Moisés Nora é um mestre da narrativa. Hoje temos uma nota extensa. Primeiro, o pároco evoca a fuga da prisão de Cantanhede, onde se observa certo requinte à Rocambole. A seguir, conta o episódio culminante de Chico Cerveira no Brasil: a compra de uma junta de bois. Que maravilhosa burla! Que enredo! Que subtileza de concepção! E não é teatro, não é ficção. Aproveitem. Mas leiam devagar. Meditem. Deixem-se surpreender.
«Pouco tempo depois encontro-o envolvido nos tão propalados passaportes falsos dos governos civis de Aveiro e Coimbra, e na tão falada escritura falsa na herança do Visconde da Aguieira, em que ele desempenhou o seu papel com perícia de mestre.
É que ele era ao mesmo tempo um hábil, um perigoso e um artista.
Mais tarde vejo-o preso nas cadeias de Cantanhede, onde (como todos sabem), esteve pouco tempo por ter a habilidade de levar o carcereiro no embrulho da sua fuga, o que não o intimidou a usar da delicadeza de até se despedir por escrito dos ex.mos juiz e delegado.
Com esta despedida um pouco à francesa, ei-lo em campo por esses mares fora, não tardando muito que, à surrelfa, sem ninguém dar por isso, o vejamos residente no Estado de Minas, Brasil, a dois passos de onde escrevo, e onde logo começou a dar expansão ao seu génio requintadamente aventureiro.
A região presta-se. Assentou barraca e… principiou a trabalhar.
Desta vez foi um padre o primeiro a ser burlado (o que é para admirar!…). Mas foi muito bem feito, porque primeiramente era o padre que queria intrujar o Chico Cerveira.
Porém… meteu-se com má rolha…! Eis o caso.
O padre tinha uma boiada, cuja venda anunciou. Chico Cerveira leu o anúncio, e enfarpelando-se com um traje de verdadeiro caipira negociante, chapéu largo e desabado, calça de peles e modos atabalhoados, assim se apresentou ao padre para lhe comprar os bois. Fizeram negócio, a muito custo, por oito contos. Passou sinal; e, como não trazia o dinheiro todo, disse ao padre que ao outro dia viria com os camaradas (criados) para levarem a boiada, e tudo pagaria.
No dia seguinte apareceu efectivamente Chico Cerveira, fingindo-se muito embriagado e conduzindo no bolso dezoito contos de réis em notas falsas de cem mil réis.
Ao entrar em casa do padre, Cerveira puxou logo por todo o dinheiro, dizendo abrutada e labregamente: – «Aqui estão os seus oito contos. O reverendo devia-me tirar alguma cousa; no entanto está feito o contrato. Tome lá, tire o seu dinheiro, e vou mandar retirar o gado.» O que fez.
O padre, vendo na mão todas aquelas lindas notas de cem mil réis, e vendo também o comprador muito esquinado, deixou-o voltar e obrigou-o a ele mesmo fazer a conta.
O padre atestou ainda mais o Chico que por fim começou a contar as notas de cem mil réis por notas de cinquenta!
Bem apanhada… que estratagema tão bem pensado…!
O padre, calado, foi recebendo, até que por fim, quando chegaram a completar os oito contos, tinha o vendedor recebido dezasseis contos em notas de cem mil réis perfeitamente falsas.
O Cerveira, que, fingindo-se propositadamente embriagado, tinha mais juízo do que o lorpa do vendedor (que logo deveria ter compreendido ser galinha gorda para maltês…), exigiu-lhe no fim um recibo legal em como estava pago de oito contos de réis da compra da boiada, e cujo pagamento lhe havia feito ele Cerveira em notas de cinquenta mil réis.
O padre, que havia recolhido triunfantemente ao bolso os cobres e que dava pulinhos de contente, não tergiversou em logo passar o recibo nas condições apontadas. Comprador e vendedor molharam outra vez a palavra, e lá vai o amigo Cerveira com uma boiada a cão, fazendo figas ao padre, que, julgando enganá-lo, apenas lhe deixou trazer dois contos em notas falsas, atirando-lhe como paga final o: mas, talvez te escreva…
Ao outro dia o vendedor comprou não sei o quê e pagou com uma nota das que recebeu. Porém – oh céus! – caiu das nuvens quando lha recusaram e disseram que era falsa!!!
Houve logo ordem de prisão, um barulho dos diabos com telegramas para todo o Estado e para todo o Brasil. Uma zaragata medonha.
Chico Cerveira, vendo-se preso, recalcitrou dizendo que aquela nota de cem mil réis não era dele, visto que havia feito o pagamento da boiada ao padre em boas notas de cinquenta mil réis.
E mostrou o aludido recibo legal, a negregada ratoeira em que caiu o palerma do vendedor…!
A polícia e o padre todos ficaram como os judeus em dia de Páscoa, vendo-se envolvidos em uma burla astuciosa e estupenda com que só o génio investigador do endiabrado Cerveira poderia vitimá-los.
A Justiça Mineira, aos queixumes do queixoso, só sabia responder: – Agarra-lhe agora pelo outro lado! Ias buscar lã e ficaste tosquiado…»
António 00:00 on 28/02/2015 Permalink |
Ex.mo Senhor Escrivão
Muito obrigado pelas suas palavras, que sei serem escritas com bastante emoção.
Águeda Pires da Cunha… saudosos tempos!!!
Um indizível prazer teria certamente o seu avô, quando lhe pediam meio quilo de açúcar amarelo, ao que ele respondia:
– Açúcar amarelo, de qual do doce?
Ou quando lhe pediam meio quilo de sal, ao que ele respondia :
– Sal, de qual do salgado?
Bons tempos…
Em relação ao seu azeite, ou seja o Colóquio de Homenagem a José Luciano de Castro com o tema “Anadia de José Luciano de Castro “, tenha a certeza que a sua intervenção será excelente..
Mas voltemos ao que importa, as incidências gerais da prova Lisboa-Coimbra.
Bem Haja.