Updates from Outubro, 2015 Toggle Comment Threads | Atalhos de teclado

  • nunorosmaninho 09:14 on 28/10/2015 Permalink | Responder  

    Lima da Pérsia 

    A lima-da-pérsia veio no passo ocioso dos camelos, entrou na península naquele rompante dos árabes e não se conformou à Europa. Sem o calor dos trópicos, mirrava. Com ele, ia aos quatro metros, libertava flores brancas e frutos de baixa acidez. Aportou à América nos porões das naus e dos galeões, acomodou-se no México e prosperou. Seria estultice enunciar aplicações medicinais, mas há uma que, sem excessiva moderação, tem a potência de libertar a mente. A lima-da-pérsia chega ao copo para ser macerada no açúcar, misturada na cachaça, agitada para se fundir e renascer na fragrância exaltante da caipirinha. Os seus eflúvios, que fazem os espíritos dormentes, toldam a visão das bicicletas, acordam indolências orientais e justificam a falta às viagens cíclicas. Pôde a vontade, mesmo assim, capturar cenas breves dos ciclistas deslizando, correndo, trabalhando, e dos peões acelerando, transpondo, entusiasmando.

     
    • topedrosa 09:24 on 28/10/2015 Permalink | Responder

      Tenho inveja do clima, pelo menos nesta altura do ano em que andamos sempre a consultar a meteorologia para saber se temos boas condições para sair ou não. Num dos blogues que estou a seguir há muitos relatos de desavenças entre automobilistas e ciclistas nas estradas brasileiras. Dá para notar ?

      • nunorosmaninho 09:33 on 28/10/2015 Permalink | Responder

        Não vi desavenças, mas muitos ciclistas ousando a contramão em estradas movimentadas, mesmo quando a noite já aconselhava prudência. Nas pistas, é a paz que tentei mostrar no vídeo.

  • topedrosa 20:17 on 25/10/2015 Permalink | Responder  

    Passeio sem História – Cantanhede, 25 de Outubro de 2015 

    Entre os resultados e desenvolvimentos das últimas eleições, as perspectivas para o jogo da tarde, as previsões de (mau) tempo e as queixas de pouco treino nestes dias pouco propícios a ciclismo de estrada com segurança, histórias houve muitas. Tantas que a boa disposição e temperatura amena da esplanada fez alongar a pausa para a nata. Conversa puxa conversa e assim o Físico, o Paulinho, o Rúben, o Informático Motard e o Informático Ferroviário demoram quase tanto no ritual dominical do que no tempo de deslocação na ida ou na volta. O passeio foi sem História porque nenhum dos representantes estava presente, por motivos pessoais ou profissionais. O Lenhador está em fase de recuperação e não quis arriscar. O Alcédix deixou-se demorar na feira e falhou a partida em Tamengos.

     
    • nunorosmaninho 14:25 on 26/10/2015 Permalink | Responder

      À hora em que os ciclistas partiam, o Escrivão andava nas nuvens. E não estava a sonhar. Assim fica justificada a falta de um dos figurantes da História.

  • topedrosa 10:52 on 18/10/2015 Permalink | Responder  

    Sobre a relação de transmissão 

    Nada como um dia de chuva para escrever um artigo sobre a bicicleta e a matemática da coisa.

    Nas bicicletas antigas conhecidas como grand-bi a pedaleira estava directamente ligada à roda grande. Uma volta completa dos pedais movia a bicicleta numa distância igual à circunferência da roda. Por isso quanto maior fosse a roda, mais distância percorria embora o esforço necessário fosse maior.

    Alexandre VoisineAlexandre Voisine – The Ambassador

    Com uma bicicleta de marcha única, existe apenas uma relação entre a roda pedaleira à frente e uma única roda dentada atrás. Se a roda pedaleira e a roda dentada fossem do mesmo tamanho, uma volta completa dos pedais iria provocar uma volta completa da roda traseira. No caso da roda dentada ser mais pequena do que a roda pedaleira existe uma desmultiplicação que pode ser calculada através do número de dentes. Se a roda pedaleira tiver 50 dentes e a roda dentada tiver 25, uma volta completa da roda pedaleira provoca 2 voltas da roda dentada. Neste caso a bicicleta avança numa distância igual a 2 vezes a circunferência da roda. Essa relação entre as duas rodas é chamada razão de transmissão e é calculada dividindo o número de dentes da roda pedaleira pelo número de dentes da roda dentada. Quanto maior for esse número, mais alta é a relação de transmissão, o que nós habitualmente chamamos “pesada”. Quanto menor for, mais baixa é a relação, ou seja mais “leve”. A distância percorrida quando damos uma volta completa aos pedais depende não só da razão de transmissão, mas também do tamanho da roda. A circunferência de um pneu 700x23C é menor do que a de um pneu 700x25C (2105 mm contra 2124 mm), logo para a mesma razão de transmissão a distância percorrida é menor.

    Com as nossas bicicletas com várias rodas pedaleiras e várias rodas dentadas, as mesmas contas podem ser efectuadas. O importante é sempre poder calcular a razão entre a roda pedaleira e a roda dentada. O Mike Sherman colocou na Internet uma calculadora muito interessante em que damos os números de dentes das rodas pedaleiras e das rodas dentadas e a partir desses dados apresenta toda uma série de tabelas e gráficos.

    Fiz os cálculos com os dados da minha bicicleta. A roda é uma 700x23C (vem escrito no pneu), as minhas rodas pedaleiras são de 50 e 34 dentes, a minha cassete tem rodas dentadas de 11 a 28 dentes.

    MikeSherman_Config

    A tabela seguinte mostra a distância percorrida para cada uma das combinações entre roda pedaleira e roda dentada :

    MikeSherman_Rollout
    Com a medição da cadência ou seja o número de rotações por minuto, o número de vezes em que damos uma volta completa aos pedais num minuto, conseguimos inferir a velocidade para cada uma das combinações, por exemplo 90 rotações por minuto :

    MikeSherman_Speed

    Se dermos um intervalo de cadências (entre 60 e 100 rotações por minuto, obtemos o seguinte gráfico de velocidades mínimas e máximas que podemos teoricamente conseguir para cada uma das combinações :

    MikeSherman_SpeedRPM

    A minha bicicleta não tem nenhuma roda pedaleira de 39 dentes. Coloquei esse valor por ser o da roda pedaleira da bicicleta do nosso Escrivão. Olhando para a tabela de distância percorrida, vemos que a relação mais leve dele 39/28 dá 2,91m. Isso equivale a uma mudança um pouco mais pesada do que a minha 34/25 que dá 2,84m. Ou seja, quando subimos a rampa de Agadão, quando ele vai na sua mais leve é como se eu fosse na minha 2ª mais leve. Adivinhem quem chega mais fresco lá acima ?  Isso diz tudo sobre a diferença de condição física dos atletas … No entanto, ambos chegam felizes 😉

     
    • ruigodinho1962 11:32 on 18/10/2015 Permalink | Responder

      Poça! Poça! Poça! Quase tão complicado para mim como subir a Estrela pela vertente de Loriga!!!

      • topedrosa 14:22 on 18/10/2015 Permalink | Responder

        A maior parte de nós tem pedaleiras 50/34. O Informático Motard e o Físico têm pedaleiras triplas, o que facilita a subida por Loriga. O Escrivão tem pedaleira 52/39. Quando mudares a cassete, tenta passar para 11/ 28. Vai facilitar a próxima ida à Torre 😉
        Eu deveria escolher uma pedaleira tripla ou uma cassete 11/32, mas isso implica a mudança do desviador traseiro. Só mesmo quando o material estiver gasto … e tiver autorização superior …

        • nunorosmaninho 10:02 on 26/10/2015 Permalink | Responder

          Eu sei que estou a chegar tarde à conversa, mas este artigo é ciência pura e merece ser celebrado por isso. Agora, tenho a certeza que falta ciência a este blogue, Venha ela!

          • topedrosa 08:46 on 07/11/2015 Permalink | Responder

            Já coloquei a referência à fotografia da corrida em grand bi

  • topedrosa 15:11 on 16/10/2015 Permalink | Responder  

    Moinho do Pisco, Agadão – 15 de Outubro de 2015 

    O Informático Ferroviário conseguiu arranjar um tempinho para aproveitar o (ainda) bom tempo. Decidiu satisfazer uma curiosidade. Ver se, mesmo com a falta de pedaladas, ainda dava para subir ao Moinho do Pisco e seguir pela rampa de Agadão. Assim fez. Foi subindo nas calmas e encarou a rampa com respeito e determinação. O objectivo era ver qual seria o valor de inclinação dada pelo altímetro. Aquela parte inicial acusava 14%, a mesma inclinação da subida por Loriga. Ao voltar para baixo, deu para chegar aos 80,75 km/h e ver uma inclinação de 16%. Conclusão. O altímetro não gostou da subida em câmara lenta e não conseguiu fazer as contas correctamente.

     
    • ruigodinho1962 15:23 on 16/10/2015 Permalink | Responder

      Este jovem, desde que se meteu com os comboios, ainda aumentou o gosto pelas velocidades!!! A sorte foi não aparecer a Brigada de Trânsito, que era carta apreendida pelo menos durante dois anos, tão escandalosamente elevada foi essa velocidade!!!

      • topedrosa 15:32 on 16/10/2015 Permalink | Responder

        Com a idade ganha-se um pouco de juízo e travei antes de chegar a um valor superior. O fim da rampa estava demasiado perto e a confiança nos abrandadores não permite parar em tempo útil se aparece um obstáculo de última hora. De qualquer modo, penso que o limite deve ser de 90 km/h. Ainda havia margem para escapar à multa 😉

  • nunorosmaninho 15:05 on 16/10/2015 Permalink | Responder  

    Mistificador, disse o senhor Vasconcelos 

    Ex.mo Senhor Escrivão,
    Segui com atenção as reviravoltas provocadas pelo II Circuito das Termas da Bairrada. Para quem desconhecia os feitos desportivos de Joaquim Rosmaninho ou os diminuía por inconstância de espírito, começa a desenhar-se uma imagem mais real e mais justa. Infelizmente, o senhor é, como todas as pessoas que escrevem, um mistificador. Isso impele-me ao dever cíclico de o admoestar pelas liberalidades imaginativas e escandalosos ataques à verdade.
    Se não tivesse de me ausentar para rectificar o funcionamento da azenha maior, escrever-lhe-ia com demora. Duvido, porém, que merecesse tal extravio de tempo. Assim, lanço apenas dois ou três apontamentos para seu aviso e esclarecimento dos leitores. Factos, apenas factos e nada mais do que factos.
    O II Circuito das Termas da Bairrada aconteceu em Agosto de 1930. O padre Manuel de São Marcos tomou posse da paróquia de Tamengos aos dez dias do mês de Setembro do ano de mil novecentos e trinta e dois. Reconheço que a homenagem a Joaquim Rosmaninho ocorreu na Pensão Rosmaninho mas em 21 de Setembro de 1933, após a sua participação na volta a Portugal em bicicleta, que aliás o senhor em tempos descreveu. As três fotografias pertenceram efectivamente a Guilherme Queirós Rosmaninho, que escreveu a seguinte legenda no verso da fotografia daquilo que o senhor deu o inábil nome de repasto: «21-9-33. Fim da Volta a Portugal em Bicicleta. Homenagem a Joaquim Gomes Rosmaninho (m/ Primo) que deu a volta. Jantar de homenagem no Hotel Rosmaninho.» Já agora, agradeça a Milu Rosmaninho, que lhe emprestou as fotografias, e a Rui Godinho, o Periglicófilo, que as digitalizou com primor.
    Está patente que confundiu os tempos e misturou tudo. Salva-o a veracidade das fotografias, a tentativa de imaginar os arruamentos de outros tempos e trazer-nos à lembrança o senhor Guilherme Queirós Rosmaninho e o padre Manuel de São Marcos. E olhe que já estou a dar-lhe crédito de mais. Não se habitue. Não merece.
    De V.ª Ex.cia Cr.do At.º e Obrig.do,
    Vasconcelos, velho homem da Mata
    PS – Os quatro ciclistas apeados estão em Tamengos? Duvido muito. Nas imediações da quinta dos Cabrais? Nem pensar.

     
  • nunorosmaninho 11:09 on 16/10/2015 Permalink | Responder  

    Joaquim Rosmaninho homenageado pelos amigos 

    Não sei o que fez o Anastácio depois de passarmos pela Pensão Rosmaninho. Supus que voltaríamos para aceder àqueles interiores que nunca vi e àquela festa que não imagino como foi. Por desacerto ou impossibilidade, quando ali voltámos havia silêncio e as bicicletas que ocupavam toda a extensão do prédio tinham desaparecido. Mas o Anastácio tem aquele ar de quem domina sempre as situações e se atreve a brincar com elas. Sem proferir palavra, passou pela pensão e dirigiu-se a Tamengos. Ao chegar à casa seiscentista da Quinta dos Cabrais, franqueou o portão à esquerda e entrou num terreiro delimitado por muros altos.
    Era uma casa antiga. Tinha de um lado uma adega alta como uma catedral e do outro um telheiro que conduzia a galinheiros e currais meticulosos. Foi para este que nos dirigimos para bater à porta da cozinha. Recebeu-nos o senhor Guilherme. Gastaria muitas linhas a falar-vos da extraordinária cozinha em que fomos recebidos. Nunca vi maior, excepto nos palácios reais, nem mais acolhedora e, se a palavra não me embaraçasse, tradicional. Já quando era miúdo e ali chegava com os amigos para pedir santórios, a cozinha me parecia magnífica. Agora, que regressei ao fim de tantos anos, parecia conter um certo grau de perfeição.
    Dali fomos para o escritório. Que secretária aquela! Enorme, maciça, delimitada por uma balaustrada de dez centímetros e com uma reentrância curva para o ocupante. De um monte de papéis, recebera em tempos, por empréstimo, O Couto de Aguim e um tratado de vinificação. O senhor Guilherme sentou-se à secretária e perguntou ao que vínhamos.
    A questão era a homenagem a Joaquim Rosmaninho. Não chegámos a tempo de o cumprimentar mas tínhamos esperança numa fotografia. Ele explicou-nos que estiveram presentes mais de duas dezenas de pessoas. A festa contou com um trio de músicos e, sim, houve fotografia. Isto deu-nos grande contentamento. Com gestos pausados, retirou um envelope da gaveta e, abrindo-o, mostrou-nos o cartão em tons sépia. Joaquim Rosmaninho encontra-se ao centro. É o único de branco e o único sem fato nem gravata.
    Joaquim Rosmaninho

     
    • António Augusto 03:58 on 14/01/2018 Permalink | Responder

      Tendo descoberto estás cíclicas viagens à pouco tempo tenho salteado aos posts mais antigos e encontrei esta foto.Que riqueza….
      Congelado para a eternidade a fração de segundo em que a máquina disparou e o “ti Joaquim Rosmaninho “ colocou as mãos nos ombros do meu tio avô “Manel da Linarda” o maestro então com 32 anos e ele revira os olhos e diz ….hoje é o teu dia campeão.
      Obrigado pois já deu a volta à família.

    • nunorosmaninho 12:15 on 15/01/2018 Permalink | Responder

      Eu é que agradeço o tempo que tem dedicado à leitura do blogue e as palavras que me tem dirigido. Um abraço!

  • nunorosmaninho 10:12 on 16/10/2015 Permalink | Responder  

    O repasto de homenagem 

    Produzido o negativo fotográfico, os quatro homens montaram nas bicicletas e desandaram pelo caminho de onde viéramos. Entrámos no carro.
    – Onde é a festa?
    O Anastácio bateu com mão direita na perna.
    – Esqueci-me de perguntar. Mas isso resolve-se.
    Seguimos até ao largo que antecede a igreja. A curva era apertada e eu avisei-o dos perigos. De cima, vinha uma junta de bois e uma mulher conduzindo um carro de mão cheio de lenha. O Anastácio repreendeu-me:
    – Sei que nasceu e cresceu aqui, mas não pode esquecer-se que esta curva só se tornou perigosa quando os automóveis se vulgarizaram.
    Sem dificuldade, inverteu a marcha e foi apanhar o grupo na leve inclinação do Espinhal. As subidas nunca são adequadas para interpelar ciclistas. O Anastácio pôs-se ao lado deles e perguntou-lhes onde era a homenagem a Joaquim Rosmaninho. A resposta soou cacofónica:

    • É já ali, na Pensão Rosmaninho.

    Levantámos os braços em agradecimento e prosseguimos. Trezentos metros adiante, estava a pensão. Isso deu-me ideias.

    • E se fôssemos à festa de homenagem?

    – Assim, à socapa, sem sermos convidados?
    – Pois é. Não pode ser. Talvez não fosse descabido passar por aqui no fim do repasto para cumprimentarmos o homenageado.
    – Concordo com tudo o que disse, menos com a palavra repasto. O senhor não fala assim.
    Hotel Rosmaninho L

     
  • nunorosmaninho 15:01 on 15/10/2015 Permalink | Responder  

    O homem de t-shirt 

    Era o padre Manuel de São Marcos antes de ter comprado o Volkswagen carocha branco com que o conheci nos anos setenta, quando a santa doutrina se aprendia a golpes de cana-da-índia no salão da residência paroquial. Nunca o imaginei, severo no olhar, aristocrata no porte, a passear de bicicleta. O Anastácio encostou o automóvel ao muro da Quinta dos Cabrais. E antes que eu saísse, preso no pouco espaço que tinha para abrir a porta, já ele se dirigia aos ciclistas.
    – Ora, vivam! O senhor prior tem passado bem? Amigo Guilherme, há quanto tempo não o via!
    O homem a quem chamara Guilherme, talvez o mais encorpado, era o único que envergava um fato claro. Do seu rosto, desprendia-se uma bondade natural.
    – Meu Deus! O senhor Guilherme! – disse para comigo quando o reconheci. Privei com ele quando, sendo eu criança, ele se aproximava dos oitenta anos.
    – Ó senhor Escrivão, chegue-se a nós – intimou o Anastácio. – Já se esqueceu de quando era pequeno e ia a correr pedir a bênção aqui ao senhor prior?
    Infelizmente, ou eu era invisível para aqueles cidadãos, ou nenhum deles me reconhecia. O Anastácio é que parecia dominar os dois tempos.
    – Os meus amigos vão para onde?
    Foi o senhor Guilherme que respondeu:
    – A uma homenagem ao Joaquim Rosmaninho. É para lá que vamos.
    – Ora essa! Acabámos de chegar do II Circuito das Termas da Bairrada, ganho por ele.
    – Grande ciclista! Lá vamos e de lá havemos de trazer uma fotografia de recordação.
    – Levam máquina?
    Um dos outros cavalheiros retirou de uma bolsa o aparelho e mostrou-o com satisfação. E foi nesse instante que o Anastácio teve uma ideia feliz.
    – Eu vos tiro uma fotografia aos quatro. O meu amigo dá um jeito na máquina e eu carrego no botão.
    E assim se compuseram ao lado das bicicletas. O Anastácio ainda me gritou:
    – Ó senhor Escrivão, ponha-se ali no meio!
    E eu, silencioso e obediente, posei também. Quando o Anastácio disparou, estava admirando os dois chapéus armados no farolim como num cabide. Mas que jeito tem um homem de t-shirt metido naquele quadro antigo? Dei ordens para me tirarem da fotografia.
    611 Sr. Guilherme com amigos (41)

     
  • nunorosmaninho 13:59 on 15/10/2015 Permalink | Responder  

    Será o padre São Marcos? 

    – Desacerto, Anastácio?
    Assim como fiz a pergunta, assim me esqueci da resposta. Íamos a entrar no carro e, sem saber como, vi-me numa estrada estreita que não conhecia mas me excitava memórias difusas. Olhei para trás. Parecia-me a casa do padre Manuel de São Marcos, no Espinhal.
    – Insiste em falar no Espinhal, não é? Ninguém sabe onde fica. Pergunte a alguém que lá viva e ela dir-lhe-á que mora na Curia.
    – A idade aumenta-nos as teimosias.
    Estava a dizer que me pareceu ver a moradia do padre São Marcos e, logo a seguir, uma casinha minúscula da qual saía um homem magro, de bigode, que bem poderia ser o Parreira, a primeira pessoa a falar-me das proezas do Carreto. Mas como, se a estrada era um simples caminho de servidão?
    – Onde é que estamos?
    A minha balbúrdia mental eram prendas que o Anastácio recebia com alegria.
    – Pois não conhece a terra onde nasceu?
    O automóvel ia devagar, o piso era incerto. A erva crescia junto às casas térreas que se sucediam à esquerda. Quando fixei o olhar adiante, vi um muro comprido a estreitar de novo a rua. O Anastácio abrandou e, pelo modo como me mirava, concluí que me dava tempo para raciocinar. Ora, eu já sabia bem onde estava. A aparência de raciocínio era apenas espanto.
    – Em que ano estamos?
    – Isso agora…
    Ao longe, surgiam quatro ciclistas. A visão não é o meu melhor sentido.
    – Que ciclistas aqueles… bem vestidos, muito dignos. De fato e gravata, não?
    – Preste atenção.
    Um, de óculos, rosto cheio… Seria o padre São Marcos?!

     
  • nunorosmaninho 10:07 on 15/10/2015 Permalink | Responder  

    O que aconteceu? 

    Ao chegar a Anadia, uma multidão esperava o vencedor das três voltas ao circuito das termas da Bairrada. Mais uma vez, ganhava Joaquim Rosmaninho, atleta do Sport Club Conimbricense. Poupo-vos aos pormenores, a que não assisti, e aos elogios, que ficariam na família. Mas não posso eximir-vos aos factos básicos desta corrida de 130 quilómetros. Há muito que venho recorrendo a José Banquinho de Carvalho, redactor principal de A Voz Desportiva, natural da Antes (Mealhada) e organizador de várias provas velocipédicas. Foi com as suas palavras que compus o relato.
    Os seis ciclistas partiram às oito e cinquenta. Lá estavam Arménio Ferreira, do Sport, e Manuel Prior, do União. Na subida do Candoso, ficam dois atletas para trás. Na do Buçaco, cada um dos outros quatro tenta fugir. «Rosmaninho é quem mais força o andamento», diz-nos Branquinho de Carvalho. «Na descida, o carro não o aguenta e tem que os perder de vista. Prior tem um furo a meio da descida e fica a mudar de máquina. António Rio fica para trás e Arménio e Rosmaninho fogem sós. O seu carro de apoio só os vem apanhar quási na Mealhada. Ambos vão bem-dispostos, a fazer uma média muito boa. Mealhada, Curia, Anadia passadas; palmas, muitas palmas do público; para além de Anadia e passada a Moita os dois companheiros de clube descansam, diminuindo o andamento e tomam um pequeno almoço.» A primeira volta foi cumprida em 1h33m.
    «Novamente a subida do Candoso. Rosmaninho olha numa curva para a estrada e ei-lo largado. Olhamos também para compreender o arranco. É que Prior vinha à vista, a menos de um quilómetro. Arménio não aguenta o esticão e deixa-se ficar. Daqui por diante a prova quase não tem história. Rosmaninho sempre em vencedor vai fazendo o percurso sem o mais ligeiro percalço na máquina. Arménio segue-o. Salvador Henriques, do Académico do Porto, e José Cerveira de Campos, do Santa Clara, desistem e Prior segue-lhes as pisadas. António Rio, apesar de um desastre, continua a prova, concluindo-a.»
    Rosmaninho fez a prova em 4h54m45s. Arménio Ferreira chegou passados seis minutos e vinte e seis segundos. António Rio foi terceiro com mais trinta e cinco minutos e quinze segundos.
    Pedi a José Branquinho de Carvalho que comentasse a prestação dos ciclistas. Eis a sua opinião: «Rosmaninho venceu bem e revelou extraordinárias qualidades, produto talvez de uma cuidada preparação. Um grande competidor para esta temporada. Arménio, esforçado, cumpridor. Digna de nota a sua alma. António Rio, o valoroso campeão nortenho dos cinquenta quilómetros, foi um arrojado. Sem apoio oficial e depois de uma queda que o deixou algo molestado veio ainda a terminar a dura prova de que nem sequer conhecia o percurso. Uma boa representação do ciclismo portuense.»
    Quando concluímos a conversa que aqui tentei resumir, regressámos ao automóvel, parado em frente da escola primária. Transpúnhamos o jardim público, adornado com um monumento aos mortos da Grande Guerra, quando me lembrei da incongruência do Anastácio.
    – Nesta pressa de chegar a Anadia para ver a chegada do Rosmaninho, há uma coisa que não entendo. Porque fomos à estrada nacional, se a corrida passou pela Curia?
    – Desacertos, senhor Escrivão.
    DSC_0232

     
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