Os sentimentos dos ciclistas – Costa Nova, 28 de Janeiro de 2024

            O Físico e o Periglicófilo vieram de automóvel até à Ermida, trazendo os cumprimentos do Patrocinador. Aquele que colecciona pacotes de açúcar ficou decepcionado por se ter esquecido das botas. Premiu cuidadosamente os quatro centímetros de pedal com as sapatilhas de sola fina. Alegrámo-nos com a temperatura tépida e o sossego das estradas. É preocupante que as travessas da ponte de pau trepidem demais e que alguns parafusos precisem de aperto.  Não nos impacientámos com a esplanada cheia porque depressa se libertou uma mesa. Notámos que as natas da Atlântida extavam quase mornas, e isso pareceu-nos bem. As plantas floridas despertaram-nos para a marcação da viagem pela ciclovia do Dão: 17 ou 24 de Fevereiro? Divertimo-nos com anedotas, dichotes e alegações por meio dos quais homens maduros se reaproximam do espírito juvenil. Na semana passada, deixei sem menção facto de termos cumprimentado, na Costa Nova, o bravo ciclista que, com a prótese numa das pernas, realiza quase cinco mil quilómetros por ano. Também deixei sem celebração o avistamento de uma velodama. Lembrei-me disso porque fomos suplantados por outra.

            Íamos naquela suavíssima estrada que bordeja a ria até à Vagueira, pela qual passavam muitas motas ribombantes, que eu acolhia placidamente tapando o ouvido esquerdo, quando fomos ultrapassados por uma ciclista. Manobrava um veículo de todo o terreno. Girava os pés com notável rapidez. Seguia muito direita e senhora de si. Não nos sentimos nada melindrados. Bem pelo contrário, ficámos a conferenciar sobre a ocorrência, de sua natureza rara, simpática e merecedora de encomiasmos.

            Cinco minutos depois, estávamos a subir a pontezinha onde o Periglicófilo obteve a fotografia da semana passada e a que chamei pitorescamente a serra da Vahueira. Isso fez-nos pensar onde devia ser feita a selfie de hoje, sabendo que a doutrina é, no presente ano, diversificar as vistas. Sugeri a barraca de madeira junto à ponte de pau. Infelizmente, encontra-se rodeada por uma cerca metálica, que talvez anuncie uma ditosa restauração. Resolvemos, sem convicção, apamhar um estreito viés entre a barraca e a ponte. Os dois que ficámos atrás, de corpo inteiro, devíamos ter vergonha da falta de estilo. Isso deve ter pensado a ciclista que, depois de nos ter fugido, passou outra vez por nós quando montávamos as bicicletas para completar a viagem.