Vimos o Carreto 

O mágico não se chamava Mário, embora vestisse de preto. E trazia uma partenaire. A multidão, mais calorosa do que aquela que costumava ver nas imediações do Largo do Murtal, aplicava-se na descoberta dos truques. E falhava. O movimento contínuo dos artistas e a rápida comunicação entre si condenava todos os intentos. Dei por mim a pensar se a tarefa da partenaire não era puramente distractiva.
Envergava um fato azul, mais justo do que os tempos permitiam. A sua dança não era voluptuosa, mas enérgica e firme, com movimentos amplos e bem definidos. A acção implicava todo o corpo, em flexões sucessivas, à esquerda e à direita, para cima e para baixo. Havia excesso nessa destreza. E assim o mágico podia compor os números.
Ao fim de alguns minutos, que o Anastácio viveu de forma compenetrada, o feiticeiro deu toda a ideia de ir fechar a actuação. Manuseava uma cartola vazia de onde, em truque clássico, se preparava para extrair alguma coisa. O que saiu foi, com gestos espectaculares, um ramo de flores. E nesse acto a jovem, cujo vigor se vinha suspendendo, imobilizou-se com os braços estendidos para o ilusionista, que exibia as flores e lhas entregava.
Havia gente nas janelas e varandas. Numa delas avistei o Carreto seguindo com vivacidade o que se passava cá em baixo, tendo ao lado Arménio Ferreira, o outro atleta que no dia seguinte havia de defender o prestígio do ciclismo de Coimbra. Quando voltei ao recinto improvisado, o mágico recuava em vénias e a partenaire acompanhava-o sem requebros nem galanteios. Retrocederam ainda um pouco mais, até desaparecerem no vasto reposteiro para lá do qual começa sempre o mistério.